segunda-feira, 20 de setembro de 2010

A história de um roteiro

De frente aos meus olhos estava um roteiro cinematográfico. Não era possível saber se era película ou digital, ainda não havia sido filmado. A verba estava em processo de captação. Em mim, ali postado entre atores e atrizes de uma história real, a sensação de que estava num cenário da primeira cena do roteiro era evidente.

O tempo é o presente.

A primeira cena acontecia entre a ampla sala e a cozinha de uma casa que foi construída por uma família de imigrantes, lá do começo do século XX. No ambiente estão celebrando a união civil entre dois homens; amigos, amigas, brasileiros e estrangeiros, familiares, brasileiros e estrangeiros. A música, a ternura estampada no momento de alegria entre os presentes, as crianças em estado de graça com o delicioso bolo de chocolate, socializado em segundos.

O homem mais velho chega à parte externa da casa. Ao redor estão os que eram jovens nos anos oitenta.

O tempo é a nostalgia.

O homem mais velho passa a narrar sobre suas andanças políticas. A nostalgia era o fim da ditadura militar, era o começo de uma nova época, de esperança na fala do homem mais velho. Em sinal de respeito, todos escutam. Em mim, as palavras estavam internalizadas, alimentando o romantismo necessário para cada dia.

O tempo é o passado.

Todos estão em cena, respectivamente vinte e cinco ou trinta anos mais jovens. O cenário é uma festa de aniversário do Padre da comunidade, ali estão todos felizes, mesmo com tempos preocupantes de fim da ditadura militar, a ameaça de morte destinada ao Padre ainda ecoava na memória coletiva, ao mesmo tempo as intimidações dos policiais que saudavam a repressão política. O ambiente é de festa, nos segredos das entrelinhas o receio pairava sob todos os corações presentes.

Daqui por adiante o filme passa a narrar fragmentos da história da comunidade, sem nenhuma ligação aparente, como se cada história fosse um conto, cuja ligação está feita por personagens, os lugares e a atmosfera político-espiritual.

***

Continua... (A obra não está concluída, aguarda captação de recurso.)

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Capítulo Dois (ou: uma homenagem a Eduardo Galeano)

Raul dormia na varanda. Não suportava ter um teto em cima da cabeça”. Eduardo Galeano em Dias e noites de amor e de guerra

Chegando em casa, após quarenta minutos de caminhada, o que habitualmente faria em vinte e cinco minutos, o corpo solicitava um descanso, momento de pausa do corpo em pé. Tudo doía mais do que o costume, a lentidão dos passos do centro até o bairro, das avenidas até a rua, da rua a porta de casa. Queria era estirar o meu corpo, a minha alma, a minha história, a minha vida no velho e solitário sofá da sala. Ao mesmo tempo, buscava entender a demora da caminhada, quando percebia que nada mais era do que encantamento de ter recebido a atenção do meu neto de olhos brilhantes, enquanto ao mesmo tempo, sentia os brilhos em meus olhos.

Já de frente ao espelho e a pia. A minha mão esquerda não estava com o punho cerrado, longe disso, estava imersa na água, era como se água que as enxaguava fossem produzidas pelos meus olhos, eram lágrimas como extensão dos meus olhos brilhantes. Sem saber como conter, pensei em deitar, querendo fazer do momento um sonho, daqueles duradouros, como todos os meus sonhos alimentados até hoje, não querendo levá-lo ao esquecimento, na tentativa de concretizar a sua realização, ao menos em meu coração. Minhas mãos estavam limpas, o meu rosto purificado por lágrimas.

Os momentos no banheiro se arrastaram, como se fosse um banho demorado, mas só lavava o meu rosto e as minhas mãos. Lá fora, na rua de frente de casa, a luz vinha dos postes, os barulhos feitos por crianças que dramatizavam um jogo, era um duelo entre JEC e Chapecoense. Os gritos dos gols das crianças eram cortados por vozes dos seus pais, das suas mães solteiras ou das suas avós, que chamavam para entrar, pois já fazia três horas que a noite tinha chegado. Os barulhos das crianças ganharam o silêncio, dos seus familiares também, somente escutava uns ruídos dos aparelhos televisores, a grande maioria no jornal, outros, os rebeldes, assistiam à outras variedades televisivas.

Enquanto os aparelhos televisores apreendiam as atenções dos moradores, a minha era retida por paredes, tetos, móveis, dos poucos que faziam o contorno da minha sala, que era o meu cárcere. Precisava sair e dormir sem um teto na minha cabeça; naquela noite, varanda se fez de quarto, a lua um teto infinito, onde levava os brilhos dos meus olhos para a lua, iluminando muito mais do que os postes. O dia com meu neto chegaria.

Cia Amor Armado

cia amor armado
apresenta seu
manifesto em formas de notas


Podem me prender
Podem me bater
Podem, até deixar-me sem comer
Que eu não mudo de opinião”.
Zé Ketti


Prólogo-moderno

Caminhávamos pelas ruas da cidade, não lembro se era uma rua do Bairro na Zona Sul ou em alguma rua central. Um homem socialista de verdade, ao menos é o que dizem, me abordou e sentenciou: “Sua arte é despolitizada”. Imediatamente respondi: “não sou político, sou artista”.

Um companheiro foi ao teatro, havia se passado uma semana do encontro já relatado, acabou ouvindo uns cochichos entre os artistas locais: “aquele é um dos que fazem panfletos como se fosse arte”. O compa, sem pensar duas vezes, gritou: “somos políticos radicais guiados por Travis Bickle rumo à Comuna de Paris”. As pessoas ao redor ficaram sem entender, enquanto os artistas locais tremeram de medo.

Pós-prólogo

Somos vítimas de uma intervenção artísticas dos pós-modernos, ficamos sem entender o ato, quem sabe sejamos demasiadamente apaixonados filhos da classe trabalhadora moderna.


*notas da Cia Amor Armado*


a)
o amor está armado para transformar as ruas.


b)
o ato de iniciar nossas frases com letras minúsculas é fruto da nossa pequenez.


c)
os dicionários têm a mania de registrar uma companhia como subdivisão de batalhão comandada por capitão. Talvez tenha razão em nosso caso, porém, somos comandados por capitão coletivo, gerido por histórias de vidas e histórias de idéias e histórias de práticas de pessoas reais e de ficções.

d)
o nosso lugar é a cidade, por isso somos produtos e produtores-as de uma cultura urbana dissidente.

e)
a pessoa que pergunta dá margem para as transformações sociais.

f)
objetivamos politizar a arte.

g)
objetivamos a política radical.

h)
os dias dos políticos estão contados.

i)
os dias dos artistas estão rumo ao fim.

j)
o amor está armado.

Livros

Acabo de disponibilizar uma nova seleção de páginas virtuais que tenho visitado. Está no canto direito do Blog, nomeado como “Editoras”, onde você poderá acessar links, a maioria são blogs, das editoras cujos lançamentos estão nas minhas leituras dos últimos tempos.