Uma manhã de sol é um bom momento para crianças entre 10, 11 ou 12 anos ficarem no corredor, tendo a luz do sol como inspiração a reflexão e a criação. A aula em questão era de filosofia, o tema a “Mitologia Grega”, o que torna o conteúdo atraente as crianças leitores-as da nova sensação editorial, faço referência ao Percy Jackson. Inclusive, em certos momentos, preciso deixar de lado a minha monótona aula expositiva para pedir ao jovem estudante que feche o livro e preste atenção. Deixo esse assunto para outras anotações em meu diário de classe.
A primeira etapa da aula – eu fico uma hora e quarenta com a meninada - foi de mobilização, onde contei o conto “O guarda-roupas de Pandora”, escrito pelo meu amigo Alberto Ferreira, que explora o universo do menino Bernardo, sua vivência escolar e sua curiosidade com tudo que se passou milhares anos atrás. Onde o enredo tem Zeus, Prometeu, Epimeteu e Pandora. Depois do contar, ocorreu um breve debate sobre o conto, nada mais do que 10 minutos.
O momento seguinte foi de exposição do que são os mitos, da importância deles na cultura da Grécia Antiga, utilizando no preparo da aula os livros “Temas da Filosofia”, “Filosofando” e “Convite a filosofia”. O mito que utilizei foi o da Caixa de Pandora, quando Zeus, mandou aos irmãos Prometeu e Epimeteu a linda Pandora, que carregava uma caixa de onde todo o mal do mundo saiu e na terra ficou.
A curiosidade da meninada é peculiar, querendo saber se os mitos são mentiras. Uma situação chamou atenção. Quando um menino afirmou que “O mito era uma mentira”. Uma menina prontamente retrucou “Que não. Quem sabe a nossa verdade seja também uma mentira criada por nós”. Ali, entre as crianças vibrava um debate sobre a condição humana como histórica-social. Configurando um momento de impasse entre todos-as educandos-as. Eu era a fonte da certeza, o porto seguro das respostas de todos os questionamentos. Virei a cabeça, abri bem os olhos e sorri, deixei a dúvida entre todos-as.
A última etapa foi à divisão da turma em grupos. Cada grupo recebeu revistas, jornais e cartolinas. Atividade seria a produção de uma Caixa de Pandora, mas que poderia ser recriada, sendo feita uma Bolsa de Pandora, um Baú de Pandora e assim vai... As equipes deveriam procurar fotografias e ilustrações dos problemas do mundo de hoje, a escolha de cada imagem era coletiva, por isso era importante o debate entre os-as participantes da equipe, exercitando o diálogo, o pensamento e a reflexão coletiva.
Tudo corria bem, a meninada estava re-criando a Caixa de Pandora de diferentes maneiras, tinha até uma bolsa estilosa. Os debates estavam fracos, era quase comum acordo sobre os problemas no mundo, era um silêncio. Até que...
Menino I: Homossexualismo é um mal, precisa voltar a Caixa de Pandora. Mostrando a fotografia de um casal gay.
Menina I: Como assim?
Menino I: Homossexualismo não é natural.
Menina I: O que não é natural são duas pessoas se amarem e sofrerem com isso. Serem perseguidas.
Menino II: É, seu homofóbico.
Menina II: Eu tenho um tio racista, não gosto dele. Isto tudo é preconceito.
O Menino I ficou acuado, todos do grupo se portaram contra sua opinião, buscando a confirmação da sua verdade, virou a mim e perguntou.
Menino I: Professor, o homossexualismo não é natural, né?
Eu me senti inseguro. Em segundos, mas que em meus pensamentos duraram uma hora, passou que as verdades constituídas historicamente não são desmanteladas em uma única aula, que nessa faixa etária é possível começar a reconstruir um mundo, mas que ali estava em confronto um mundo cultural familiar com o mundo cultural escolar. E meu papel não seria ficar me equilibrando no muro.
Felizmente veio a lembrança Howard Zinn, que dizia a sala de aula como um espaço para a meninada sair com mais incertezas do que certezas. Falei ao garoto que o espaço da aula é para o contato com o diferente, que ao sair do Colégio procurasse observar o diferente ao seu redor, tentando entender as razões que fazem os outros serem diferentes, mesmo aquilo que não era comum até ontem, mas hoje está cada dia mais próximo dos nossos olhares.
E eu nisso tudo? Saí daquela aula com certeza de que estou no lugar certo. Acredito que o espaço escolar não é um instrumento revolucionário que vai derrubar o Estado e o capitalismo, mas ainda é um ambiente que poderá ser arejado e estimulante para quem ali passará um expressivo tempo de sua vida.
Que venham outras possibilidades de diálogos. Aqui fecho meu diário de classe.
A primeira etapa da aula – eu fico uma hora e quarenta com a meninada - foi de mobilização, onde contei o conto “O guarda-roupas de Pandora”, escrito pelo meu amigo Alberto Ferreira, que explora o universo do menino Bernardo, sua vivência escolar e sua curiosidade com tudo que se passou milhares anos atrás. Onde o enredo tem Zeus, Prometeu, Epimeteu e Pandora. Depois do contar, ocorreu um breve debate sobre o conto, nada mais do que 10 minutos.
O momento seguinte foi de exposição do que são os mitos, da importância deles na cultura da Grécia Antiga, utilizando no preparo da aula os livros “Temas da Filosofia”, “Filosofando” e “Convite a filosofia”. O mito que utilizei foi o da Caixa de Pandora, quando Zeus, mandou aos irmãos Prometeu e Epimeteu a linda Pandora, que carregava uma caixa de onde todo o mal do mundo saiu e na terra ficou.
A curiosidade da meninada é peculiar, querendo saber se os mitos são mentiras. Uma situação chamou atenção. Quando um menino afirmou que “O mito era uma mentira”. Uma menina prontamente retrucou “Que não. Quem sabe a nossa verdade seja também uma mentira criada por nós”. Ali, entre as crianças vibrava um debate sobre a condição humana como histórica-social. Configurando um momento de impasse entre todos-as educandos-as. Eu era a fonte da certeza, o porto seguro das respostas de todos os questionamentos. Virei a cabeça, abri bem os olhos e sorri, deixei a dúvida entre todos-as.
A última etapa foi à divisão da turma em grupos. Cada grupo recebeu revistas, jornais e cartolinas. Atividade seria a produção de uma Caixa de Pandora, mas que poderia ser recriada, sendo feita uma Bolsa de Pandora, um Baú de Pandora e assim vai... As equipes deveriam procurar fotografias e ilustrações dos problemas do mundo de hoje, a escolha de cada imagem era coletiva, por isso era importante o debate entre os-as participantes da equipe, exercitando o diálogo, o pensamento e a reflexão coletiva.
Tudo corria bem, a meninada estava re-criando a Caixa de Pandora de diferentes maneiras, tinha até uma bolsa estilosa. Os debates estavam fracos, era quase comum acordo sobre os problemas no mundo, era um silêncio. Até que...
Menino I: Homossexualismo é um mal, precisa voltar a Caixa de Pandora. Mostrando a fotografia de um casal gay.
Menina I: Como assim?
Menino I: Homossexualismo não é natural.
Menina I: O que não é natural são duas pessoas se amarem e sofrerem com isso. Serem perseguidas.
Menino II: É, seu homofóbico.
Menina II: Eu tenho um tio racista, não gosto dele. Isto tudo é preconceito.
O Menino I ficou acuado, todos do grupo se portaram contra sua opinião, buscando a confirmação da sua verdade, virou a mim e perguntou.
Menino I: Professor, o homossexualismo não é natural, né?
Eu me senti inseguro. Em segundos, mas que em meus pensamentos duraram uma hora, passou que as verdades constituídas historicamente não são desmanteladas em uma única aula, que nessa faixa etária é possível começar a reconstruir um mundo, mas que ali estava em confronto um mundo cultural familiar com o mundo cultural escolar. E meu papel não seria ficar me equilibrando no muro.
Felizmente veio a lembrança Howard Zinn, que dizia a sala de aula como um espaço para a meninada sair com mais incertezas do que certezas. Falei ao garoto que o espaço da aula é para o contato com o diferente, que ao sair do Colégio procurasse observar o diferente ao seu redor, tentando entender as razões que fazem os outros serem diferentes, mesmo aquilo que não era comum até ontem, mas hoje está cada dia mais próximo dos nossos olhares.
E eu nisso tudo? Saí daquela aula com certeza de que estou no lugar certo. Acredito que o espaço escolar não é um instrumento revolucionário que vai derrubar o Estado e o capitalismo, mas ainda é um ambiente que poderá ser arejado e estimulante para quem ali passará um expressivo tempo de sua vida.
Que venham outras possibilidades de diálogos. Aqui fecho meu diário de classe.
4 comentários:
"Saí daquela aula com certeza de que estou no lugar certo. Acredito que o espaço escolar não é um instrumento revolucionário que vai derrubar o Estado e o capitalismo, mas ainda é um ambiente que poderá ser arejado e estimulante para quem ali passará um expressivo tempo de sua vida."
Fantástico. Perfeito.
Abraços!
(tenho que falar contigo aqui, já que não responde mais a e-mails, seu antipático)
Filipe,
é importante perceber que trabalhando com educação não significa que não desejo derrubar o estado e o capitalismo. mas significa que ali é trabalho, não espaço revolucionário. outro detalhe, sendo um espaço que vendo a minha força de trabalho, não excluí a responsabilidade com o que estou tratando, que são histórias de vidas de pessoas. ou seja, devo olhar com mais carinho e atenção vários fatores.
abraço
Maikon K
(os meus emeios pessoais estou respondendo no fds, seu chato)
Sim, sim, também acho que desconsidera o chão histórico da cidade. Mas estamos numa era pós-histórica, pós-tudo.
O Terry Eagleton, que é um marxista inglês bem inteligente, diz que, para o nosso bem chegamos numa era "pós-pós-ideológica", rs. Mas isso na Inglaterra, claro, porque aqui no pensamento e nas artes ainda somos os colonizados da França de 80/90.
Esse livro dei pra Vanessa, o "Sinta o Drama". Mas agora vou levar a sério e lê-lo. O tom polêmico da Iná Camargo me agrada, ainda mais agora que é moda falar baixo e abandonar qualquer pretensão de verdade e incisão no debate público. Vale dar uma olhada na Companhia do Latão: http://www.companhiadolatao.com.br/ . Queria muito ver essa galera.
Abs.,
h.
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