quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Capítulo Dois (ou: uma homenagem a Eduardo Galeano)

Raul dormia na varanda. Não suportava ter um teto em cima da cabeça”. Eduardo Galeano em Dias e noites de amor e de guerra

Chegando em casa, após quarenta minutos de caminhada, o que habitualmente faria em vinte e cinco minutos, o corpo solicitava um descanso, momento de pausa do corpo em pé. Tudo doía mais do que o costume, a lentidão dos passos do centro até o bairro, das avenidas até a rua, da rua a porta de casa. Queria era estirar o meu corpo, a minha alma, a minha história, a minha vida no velho e solitário sofá da sala. Ao mesmo tempo, buscava entender a demora da caminhada, quando percebia que nada mais era do que encantamento de ter recebido a atenção do meu neto de olhos brilhantes, enquanto ao mesmo tempo, sentia os brilhos em meus olhos.

Já de frente ao espelho e a pia. A minha mão esquerda não estava com o punho cerrado, longe disso, estava imersa na água, era como se água que as enxaguava fossem produzidas pelos meus olhos, eram lágrimas como extensão dos meus olhos brilhantes. Sem saber como conter, pensei em deitar, querendo fazer do momento um sonho, daqueles duradouros, como todos os meus sonhos alimentados até hoje, não querendo levá-lo ao esquecimento, na tentativa de concretizar a sua realização, ao menos em meu coração. Minhas mãos estavam limpas, o meu rosto purificado por lágrimas.

Os momentos no banheiro se arrastaram, como se fosse um banho demorado, mas só lavava o meu rosto e as minhas mãos. Lá fora, na rua de frente de casa, a luz vinha dos postes, os barulhos feitos por crianças que dramatizavam um jogo, era um duelo entre JEC e Chapecoense. Os gritos dos gols das crianças eram cortados por vozes dos seus pais, das suas mães solteiras ou das suas avós, que chamavam para entrar, pois já fazia três horas que a noite tinha chegado. Os barulhos das crianças ganharam o silêncio, dos seus familiares também, somente escutava uns ruídos dos aparelhos televisores, a grande maioria no jornal, outros, os rebeldes, assistiam à outras variedades televisivas.

Enquanto os aparelhos televisores apreendiam as atenções dos moradores, a minha era retida por paredes, tetos, móveis, dos poucos que faziam o contorno da minha sala, que era o meu cárcere. Precisava sair e dormir sem um teto na minha cabeça; naquela noite, varanda se fez de quarto, a lua um teto infinito, onde levava os brilhos dos meus olhos para a lua, iluminando muito mais do que os postes. O dia com meu neto chegaria.

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