terça-feira, 27 de julho de 2010

A história como uma visão de mundo

"Trabalhos historiográficos mais recentes – e entre eles o meu próprio – têm se esforçado por construir uma história de Joinville que dê relevo a pluralidade, incluindo a de suas “origens”, se contrapondo a uma produção de cunho mais monumental, ou mesmo oficial, de acentuado caráter étnico, que pouca ou nenhuma atenção deu a diversidade; tendência historiográfica, necessário que se diga, de que faz parte a obra de Adolfo Schneider. Dar seu nome ao Arquivo Histórico é deslegitimar o esforço por escrever uma outra história e corroborar, consolidando, um passado que sempre se fez representar pela homogeneidade e em uma narrativa inscrita em um tempo linear e vazio – quando os historiadores o sabem, ou deveriam saber, que o “passado é sempre conflituoso”, como a argentina Beatriz Sarlo. Há mais coisas em jogo, portanto, que uma simples homenagem. O que se está a problematizar são concepções distintas da cidade, de seu passado e, por extensão, do seu presente. Às vezes um nome é mais que um nome; é uma visão de mundo."

Mais que um nome por Clóvis Grunner é histoadiador e professor universitário.


Leia a carta na íntegra a primeira carta sobre o tema.

domingo, 25 de julho de 2010

Daqui

Um amigo partiu da cidade.

Ocorreu na noite de ontem, num salão lotado de olhos em lágrimas.

No outro lado uma amiga o esperava.


A partida foi composta por canções, como houvesse uma banda ao vivo dentro de cada um.

Os dois foram navegar entre os corações espalhados de outra cidade.

Daqui, afastado por meia hora de estrada, é possível escutar as canções.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Chá


O Amor Armado é o meu espaço para narrar os meus sentidos, as minhas reflexões, as minhas críticas, as minhas ficções. É aqui que procuro estabelecer relações entre a ternura e aspectos do que não estão visíveis aos olhos. Sem perder as histórias das pessoas, buscando perceber o quanto de nós está feito nas histórias das pessoas experimentadoras dos lugares urbanos.


A presente postagem é informativa sobre um coletivo local. Peço a você uma visita ao Coletivo Chá, que nos últimos meses está narrando à cidade por meio de cores, traços, cola, rodinho e a leveza das quatro protagonistas do Coletivo Chá.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Mário, Wado e o aprendizado


O poeta Mário Quintana escreveu que um amigo sabe compartilhar o silêncio.

Levo ao pé da letra a sentença de Quintana, por isso entrego o distanciamento ao momento, os braços ao doce e o ombro a alegria.

Fazendo da amizade uma relação de companheirismo.

Eita aprendizado bom, que felizmente tomei nota em tempo de fazer do “caminho parente do futuro*”.


*É um trecho cantado por Wado.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Narrativa de quem tem pressa - III

O homem mais velho, um espalhador de frases prontas. Um hábito, quase um vício. Os mais novos acreditavam numa trajetória de vida de andanças pelo mundo cão, efeito que o colocava na condição de um sábio, do balcão já detonado.

Ontem a noite, quando no bar do seu Arno, no final da Rua Modelo, o Homem disse; “Aqui, o mais bobo, acende o cigarro no relâmpago”.*

Um outro homem, também de anos percorridos pelo mundo cão, mas que era partidário do silêncio, resolveu falar; “Aqui, o mais esperto, não viu a vida passar a sua frente”.

Nas últimas vinte e quatro horas ninguém mais ouviu uma frase pronta, exceto um bom dia, boa tarde ou boa noite. Entre os mais jovens, dos quais o balcão ainda não é direito conquistado, a ansiedade é de ouvir as histórias do ex-silencioso, pois quando um vai ao silêncio, alguém precisa narrar.


*A presente frase foi roubada de um conto do escritor João Antônio

terça-feira, 20 de julho de 2010

Narrativa de quem tem humor – I

Volta e meia escutamos sobre a importância dos valores comunitários, aspectos valorizados por sonhadores libertários, quando buscam entre as vizinhanças os valores comunais. Eu prefiro buscar os valores espirituais e religiosos dos meus vizinhos.

Hoje cedo, aproveitando o lindo sol, fui colocar a roupa no varal externo, na parte do fundo da casa de minha mãe. Enquanto isso a vizinha limpava sua casa, ao menos o barulho da vassoura batendo nos móveis remetia a tal função doméstica.

De repente escuto a fala da vizinha “Meu Deus, queria ter nascido homem.

Num espontaneísmo, daqueles pra agradar o Miguel Bakunin, respondi num bom tom: “Meu Deus, queria ter nascido surdo.

Do outro lado do muro veio a resposta: “Vai tomar no c*, p*rr*!

Naquele exato momento conheci o “Evangelho segundo Dercy Gonçalves.

Taí, nunca é tarde para aprender os valores espirituais e religiosos dos seus vizinhos.

domingo, 18 de julho de 2010

Narrativa de quem tem pressa - II

A menina pergunta a mãe, que responde:

É um catador de latinhas, minha filha.

O menino nada perguntou, mas o pai deu a sentença:

Veja que vagabundo, deixando o nosso centro mais sujo.

O diplomado escreveu a resolução do problema, sem nenhum debate:

O centro da cidade é o coração, precisamos limpar suas artérias.

Apáticos leitores silenciaram mais uma vez frente ao povo da rua.

***
autoria da fotógrafia: Fabrizzio Motta

sábado, 17 de julho de 2010

Do Bairro de lá ao de cá (Ou: Anotações sobre João Antônio)

Do bairro de lá, Copacabana, na cidade do Rio de Janeiro, encontro particularidades próximas às realidades do bairro de cá, da cidade de cá. Afirmo ao ler “Ô Copacabana!”, onde logo de cara o João Antônio solta a frase “Os homens, lá em cima, mexem os pauzinhos, sapecam leis e nos aplicam os espetos. Ficamos sambados, prejudicados, lesadinhos.” Uma porrada suficiente para arrematar o meu coração libertário, conduzir meus olhos por suas narrativas.

No primeiro momento você poderá imaginar o livro como libelo esquerdista produzido na década de 1970, ainda mais quando pinço a frase no parágrafo anterior, deixe de lado essa bobagem. Ao menos que você deseja reduzir a condição de “subliteratura” por encontrar qualquer fragrância política nas linhas do autor, caso seja assim é melhor fechar as páginas de qualquer livr. Afinal, vida e arte são cruzadas com a política, sem chance de separação, até mesmo nos escritos dos baluartes da pós-modernidade não conseguiram a proeza. Sim, afirmo a impossibilidade da separação.

A escrita de João Antônio está composta por traços populares, do dia a dia. Faz da literatura um palco do vocabulário de um canto da cidade do Rio de Janeiro, o bairro Copacabana, cortando os mais variados sotaques daquelas bandas, do gringo ao nordestino ao sulista, que faz do lugar um ambiente de diferentes vivências para o branco ao negro, do gay gringo ao gay pobre e sofrido, da madame fresca com o cãozinho ao tiozinho solitário, dos meninos de rua as crianças bem tratadas, dos errantes de terno e gravata na praça pública, da ida ao mercado numa noite de excessivo calor, aos garotos de cabelos queimados do sol até as garotas de olhos bem abertos aos salva-vidas e assim vai. Quando o conflito é sutil ou brusco, os espaços privados ou públicos têm utilizações diversas de acordo com a temporalidade, sem existir a necessidade de uma placa indicando o que está e o que não está permitido. As regras de convivências são invisíveis, justamente onde a oficial “sacanocracia” do prefeito, “que ninguém votou nele”, poderá violentar as regras do bairro, mas não conseguirá destruí-las.

E no bairro, como na nossa cidade, só cantamos as glórias. Do fiasco, ninguém fala.” É uma frase categórica para dizer que a cidade como um todo, não deve ser tratado como um ar romanceado, distraída das suas realidades contraditórias, em determinados aspectos é preciso dar uma porrada na cara e na seqüência – ou até semanas depois – levar uma bordoada sem tamanho, sem deixar a clareza que o papel de dar o tapa é nosso, das pessoas.

Nos caminhos do Bairro nos portamos como um torcedor, que segundo João Antônio “Ao torcedor, parece não interessar, no fundo, ganhar ou perder. O que conta é o sofrimento. Não se trata de um homem a serviço de um sonho, ideal ou missão. É um homem a serviço da paixão. Um prisioneiro.” Enquanto, é preciso buscar uma ponte entre a paixão e os sonhos, onde nossos pés estejam cravados em nossos lugares de vida.

Ao concluir a leitura do livro pairam nas minhas divagações como é complicadíssimo articular paixão as linhas acadêmicas para discutir criticamente a nossa realidade, pois para a ciência acadêmica tem a necessidade desapaixonar, mesmo o que é mais caro ao acadêmico. João Antônio ao problematizar-polemizar o tema do Bairro e da cidade vai à contramão de todo academicismo, nos oferece de lambuja a literatura como a melhor saída para fazer a discussão, sem respostas certeiras, somente doses necessárias de questionamentos e reflexões sobre o bairro de lá e de cá.

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Narrativa de quem tem pressa - I

Em 1984;
O filho está sem pai, não é de hoje, é de anos. Ao seu lado outras crianças estavam sem a figura paterna, as mães se colocavam nas malharias. Se sentia um igual.

Em 1985;
Ausência não era sentida, até entrar na creche do Bairro. Lá, volta e meia um pai buscava um filho. Aprendeu que pai busca filho, quem não tem um, o avô assumia a busca. Se sentia um outro.

Horas depois:
De longe, lá pelas 14 horas, avistava a mãe, sentia o “gosto de sorvete em tarde de sol misturado com cheiro de manjericão da casa de sua avó, ainda não sabia que aquele sentimento se chamava alegria”. Voltava sentir a igualdade.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Já não somos mais punks


Um dia atrás éramos punks. Escrevíamos cartas para punks do mundo todo, líamos zines, comprávamos discos, fitas cassetes e cds, organizamos matinês com bandas de punk-hardcore nos finais de semana, tocávamos em bandas, editávamos os nossos próprios zines, não tomávamos coca-cola, nem pepsi. Odiávamos o capitalismo, o Estado e Igreja.

Hoje não vamos escrever uma carta, nem perdemos tempo com cds, menos ainda com as matinês, também não tocamos guitarra. O máximo que chegamos a fazer é ler, ouvir os mesmos discos de antes, tomar Pepsi e querer destruir o capitalismo, o Estado e a Igreja.

Desconheço autoria da imagem

terça-feira, 13 de julho de 2010

A greve dos guarda-chuvas

Era manhã de terça-feira. Chuva Fina, frio de quatorze graus. O momento inapropriado para observar a greve dos guarda-chuvas. Da altura da janela de um antigo prédio, daqueles que serviu a cidade imigrante por décadas seguidas do século XX, que nas últimas três décadas serve a cidade migrante. Dali constatava um teto que cobria a Rua do Príncipe. Formado por guarda-chuvas, uma diversidade de modelos de guarda-chuvas, tinha o tradicional, o que lembrava o frevo, de florzinha e o sem graça. É possível que a diversidade de guarda-chuvas remeta as diferentes categorias de servidores públicos municipais em greve.Foto por Jessé Giotti

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Sexualidade e Direitos Humanos

Acabo de ler a reportagem “Assunto de Família” sobre a 2ª Semana da Diversidade, que acontecerá de 1ª a 8 de Agosto, em Joinville. Fiquei muito feliz ao verificar a programação do evento que aponta para a necessidade da cidade pautar um amplo debate sobre a questão da sexualidade. É preciso superar os preconceitos e os autoritarismos propagando por setores conservadores da cidade. Exemplos da Associação Arco-Íris e da 2ª Semana da Diversidade, demonstram que é possível concretizar uma cidade amparada no respeito aos direitos humanos.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

O dever do-a historiador-a

A história é fruto do seu tempo, questão notória e consolidada. Que o-a historiador-a é fruto do tempo já entrou no mesmo caminho há um bom par de anos. Uma questão primordial, ainda não concretizada em todos os lugares da cidade, é que o-a historiador-a tem o dever de tomar uma posição contrária aos preconceitos e as imposições de dominação.

Silenciar, jamais!

Debater, sempre!

domingo, 4 de julho de 2010

Capítulo 1 (ou: uma homenagem a John Reed)

E então meu pai olhava para a frente com os olhos brilhantes”, prosseguiu Marcelle, “marchando como um exército. Toda vez que seus olhos brilhavam daquele jeito minha mãe tremia – porque significava alguma luta incansável e terrível contra a polícia, ou uma greve sangrenta, e ela temia por ele.” John Reed em A Filha da Revolução



A história que estou a contar poderá causar estranheza em qualquer ser humano do século XXI. Ainda mais quando tirar do meu baú memórias sobre o sangue que corre em minhas veias, um sangue diferente, não é azul, menos ainda melhor do que o sangue de qualquer pessoa disposta a ouvir. O sangue corrente nessas veias foi originado no século XIX, provavelmente encontrará o meu sangue correndo em veias de outro tempo histórico, mas o registro mais recente, ao menos documentado no papel e mantido por meio da oralidade é, estritamente, ligado ao século XIX.

Sou um tataraneto da revolução, das idéias rebeldes, que contaminaram os sangues de homens e mulheres das sarjetas das cidades européias, cuja cor vermelha remetia ao socialismo e a cor negra ao anarquismo. Daqueles deixados de lado da história, já que nos grandes eventos não ganharam destaque entre as estrelas do socialismo e do anarquismo, mas se fizeram completamente embriagados nas greves, nos confrontos de rua com a polícia, onde Marselhesa era uma ofensa aos socialistas das ruas, era a canção dos traidores. E quando topavam com um maldito qualquer da Igreja, faziam questão de gritar para todo mundo ouvir “À bas lês calottes! À bas lês calottes!”

Estou aqui, velho, sozinho, com certa amargura na voz, ao menos o garçom do Bar Palmeirão disse sentir quando pedi um café puro e uma empadinha de palmito. É preciso deixar de lado as tais memórias, falo pra mim, ninguém levará a sério as amarguras de um velho de sangue quente, explosivo e socialista. Sangue bem quente mesmo, até o meu próprio filho afastei de mim, como o pai do meu tataravô fez com sua filha Marcelle. Passaram seis anos desde a briga com meu filho por conta do meu neto ir para uma escola particular. Tentei demonstrar que as diferenças dos lugares e das coisas acontecem nos espaços públicos, no privado só era a homogeneidade. Nada feito, somente o afastamento.

Merda. Os meus pensamentos privados são cortados por ruídos externos, não entendo o que a voz do garçom está dizendo, tento prestar atenção, somente compreendo “Vê, lá vem à rapaziada do passe livre”. Imediatamente o meu sangue volta a ferver, como se a minha companheira tivesse me despejado no forninho. Corro até a porta do Palmeirão, vejo nada mais de cem estudantes das escolas públicas, particulares e alguns universitários, entre garotos e garotas, poucos estão além dos vinte e poucos anos, mais a bandeira está no ar e gritos pelo passe livre também. O meu rápido pensamento produz uma voz inaudível, ao menos jurei ser, mas o garçom ouviu e respondeu “Hoje é dia nacional de luta pelo passe livre”.

Carinhosamente observo a meninada, bato palmas de apoio e uns sorrisos são destinados a mim e ao garçom, outro autor de uma salva de palmas. Naquele momento, uma criança me chama atenção, é meu neto, dezesseis anos e mal o tenho visto, motivado pelo desentendimento com meu filho. Sabe, não foi o nariz ou pelo detalhe do queixo as características físicas de identificação, mas foram os olhos brilhantes, como se fosse uma fresta de esperança para a minha velhice.

Pensei em descer os dois degraus, chegar mais perto da garotada, desisto, como se uma força interna não permitisse chegar até na rua. O meu corpo não se permite ser levado por todos ali envolvidos, os meus ouvidos ao serem guiados por sonoridades de uma cantoria desafinada e cheia de vontade fazem os pensamentos irem ao meio deles, até que, repentinamente, tenho a perda da única face conhecida por mim, meu neto e seus olhos brilhantes já não estão mais entre o pequeno furacão. Penso, “Cadê o meu neto”? Dessa vez, o meu pensamento não é escutado.

Mais uma voz responde. Vô? , uma voz jovial e rouca, como de um fumante invertebrado desde o nascimento. O som da voz está forte, como se estivesse a poucos centímetros dos meus ouvidos. Viro o rosto e perto de mim, vejo o meu neto, digo “Olá, meu neto. Não só neto, agora, também, um companheiro.”, ao querer esconder a minha alegria de encontrá-lo naquelas circunstâncias, um querer sem êxito, pois o abraço do garoto, meu neto, meu companheiro quebrou qualquer estimulo para esconder minha alegria. “Vô, tenho de ir as ruas. Mas anote aí, domingo, as 11:30, vou até a sua casa, quero almoçar com o senhor.” . Sem pensar duas vezes, confirmei o almoço e disse para voltar às ruas, o menino se foi.

Voltei o meu corpo ao balcão do bar, paguei o consumido. Passei a caminhar querendo imaginar o destino certeiro, nada feito. Enquanto isso, ao marchar como um exército revolucionário, ninguém disse que os meus olhos brilhavam, pela primeira vez, eu sentia os meus olhos brilharem.