sábado, 17 de julho de 2010

Do Bairro de lá ao de cá (Ou: Anotações sobre João Antônio)

Do bairro de lá, Copacabana, na cidade do Rio de Janeiro, encontro particularidades próximas às realidades do bairro de cá, da cidade de cá. Afirmo ao ler “Ô Copacabana!”, onde logo de cara o João Antônio solta a frase “Os homens, lá em cima, mexem os pauzinhos, sapecam leis e nos aplicam os espetos. Ficamos sambados, prejudicados, lesadinhos.” Uma porrada suficiente para arrematar o meu coração libertário, conduzir meus olhos por suas narrativas.

No primeiro momento você poderá imaginar o livro como libelo esquerdista produzido na década de 1970, ainda mais quando pinço a frase no parágrafo anterior, deixe de lado essa bobagem. Ao menos que você deseja reduzir a condição de “subliteratura” por encontrar qualquer fragrância política nas linhas do autor, caso seja assim é melhor fechar as páginas de qualquer livr. Afinal, vida e arte são cruzadas com a política, sem chance de separação, até mesmo nos escritos dos baluartes da pós-modernidade não conseguiram a proeza. Sim, afirmo a impossibilidade da separação.

A escrita de João Antônio está composta por traços populares, do dia a dia. Faz da literatura um palco do vocabulário de um canto da cidade do Rio de Janeiro, o bairro Copacabana, cortando os mais variados sotaques daquelas bandas, do gringo ao nordestino ao sulista, que faz do lugar um ambiente de diferentes vivências para o branco ao negro, do gay gringo ao gay pobre e sofrido, da madame fresca com o cãozinho ao tiozinho solitário, dos meninos de rua as crianças bem tratadas, dos errantes de terno e gravata na praça pública, da ida ao mercado numa noite de excessivo calor, aos garotos de cabelos queimados do sol até as garotas de olhos bem abertos aos salva-vidas e assim vai. Quando o conflito é sutil ou brusco, os espaços privados ou públicos têm utilizações diversas de acordo com a temporalidade, sem existir a necessidade de uma placa indicando o que está e o que não está permitido. As regras de convivências são invisíveis, justamente onde a oficial “sacanocracia” do prefeito, “que ninguém votou nele”, poderá violentar as regras do bairro, mas não conseguirá destruí-las.

E no bairro, como na nossa cidade, só cantamos as glórias. Do fiasco, ninguém fala.” É uma frase categórica para dizer que a cidade como um todo, não deve ser tratado como um ar romanceado, distraída das suas realidades contraditórias, em determinados aspectos é preciso dar uma porrada na cara e na seqüência – ou até semanas depois – levar uma bordoada sem tamanho, sem deixar a clareza que o papel de dar o tapa é nosso, das pessoas.

Nos caminhos do Bairro nos portamos como um torcedor, que segundo João Antônio “Ao torcedor, parece não interessar, no fundo, ganhar ou perder. O que conta é o sofrimento. Não se trata de um homem a serviço de um sonho, ideal ou missão. É um homem a serviço da paixão. Um prisioneiro.” Enquanto, é preciso buscar uma ponte entre a paixão e os sonhos, onde nossos pés estejam cravados em nossos lugares de vida.

Ao concluir a leitura do livro pairam nas minhas divagações como é complicadíssimo articular paixão as linhas acadêmicas para discutir criticamente a nossa realidade, pois para a ciência acadêmica tem a necessidade desapaixonar, mesmo o que é mais caro ao acadêmico. João Antônio ao problematizar-polemizar o tema do Bairro e da cidade vai à contramão de todo academicismo, nos oferece de lambuja a literatura como a melhor saída para fazer a discussão, sem respostas certeiras, somente doses necessárias de questionamentos e reflexões sobre o bairro de lá e de cá.

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